Américo: 5.000 dias sem sol
O segundo ex-prefeito de Maringá Américo Dias Ferraz, após cometer crime contra um diretor da Simca do Brasil S.A., em São Bernardo do Campo, SP, em 1962, é entrevistado aqui por Wilson Silva da revista NP em julho de 1963. Em sua cela, até privilegiada, é descrita pelo reporter: "No peitoril da janela, há um nicho com a imagem de N.Sra. Aparecida, Na mesa, tinteiro, grampeador, bata-borrão, regua, cinzeiro e um par de maços de cigarrro. Os vidros das janelas da delegacia, pintados de cinza-fosco. O ambiente ali dentro é calmo e tranquilo, a cama de ferro, modesta e limpa. Há um armário de poucos livros bem manuseados, o assoalho foi varrido e encerado recentemente." Na delegacia, Américo era o entregador oficial de refeição aos demais presos (foto 2).Américo "apanhou um cigarro sobre a mesa, enquanto eu lhe oferecia a chama do isqueiro, olhei-o bem dentro dos olhos. O impacto da condenação transformou Américo radicalmente. O sentira violento o peso da justiça.
Ao adentrar o Fórum, Américo o fizera em passos calculados, expressão séria e confiante. Durante o julgamento era um homem introspectivo e impassível. Os soldados da guarda, lado a lado, pareciam mais interessados no veredito que o próprio réu. Mas aquele homem na minha frente que aspirava um cigarro em longas baforadas, era Américo como ele é: aquele que abatera com 3 tiros certeiros o diretor da Simca, René Jean Roig, no clímax de uma discussão."
WS - Américo como é que está se sentindo?
ADF - Como você espera que eu me sinta? São 14 anos de cadeia. Foram 4 votos contra 3. Que acha disso? Os jurado s quiseram assim. Eu confio na Justiça de Deus e dos homens. Estou arrependido do que fiz mas na hora eu perdi a cabeça. Eu ia naufragar sabe? Ia ficar a zero.
WS - Por que atirou em Roig?
ADF - Eu só me lembro que ele me chamou de vigarista no topo da discussão.
Eu gritei: vigarista é o senhor! Ao me aperceber que já havia disparado 3 tiros. Ele caiu e eu saí da sala com revólver na mão e mandei chamar a polícia. Em verdade não esperava que a coisa terminasse desse jeito.
WS - Mas o senho já fora à Simca com o revólver, não é?
ADF - Já. Quase sempre andei armado, mas acostumara a resolver problemas enormes com bom senso, calma e equilíbrio. Não pensa jamais em sacar a arma. De repente, aquela discussão pareceu assunto de vida e morte, para mim. Os tiros foram uma sucessão tão rápida, que ao terceiro, eu queria acordar, sabe? Parecia que aquilo não era comigo, que era antes um sonho. Depois com aquele corre-corre, eu sentado naquela cadeira na seleta sala ao lado do gabinete do Roig, fui medindo a consequência do ato.
WS - Em seguida você foi recolhido à cadeia de São Bernardo, e depois?
ADF - Fui bem tratado. O investigador, a quem entreguei a arma logo após o crime, é hoje meu amigo. Durante todo o tempo que estive preso sempre gozei de liberdades possíveis a um homem na minha situação. Sou o "pagador de xepa", isto é, quem distribui a comida nas celas. Faço faxina, ouço rádio e leio. Já recebi mais de 1000 visitas, aqui na cadeia. Até D. Jaime, Bispo de Maringá já veio me visitar. Calor humano nunca faltou aqui dentro. E fé eu tenho sempre. Você já viu me oratório de Nossa Senhora Aparecida?
WS - E a tua família?
ADF - É a grande ausência que sinto mas nunca ela me faltou em amor e esperança. E dizer que pus minha família em risco por causa de uma concessão de revenda de automóveis!
WS - Para onde irá agora?
ADF - Ainda não sei, meus advogados vão apelar. Mas, Wilson, sabe onde gostaria de estar, agora?
WS - Diga.
ADF - Queria que fosse a manhã de 24 de julho de 1962, no Bar Colúmbia, em Maringá e não no escritório do Roig, em São Bernardo. Queria puxar do bolso um maço de cigarros para um amigo e não um "38" para matar um homem. Queria estar lá e não aqui. Queria voltar com você...
Conclui, Wilson: "A mão esquerda esconde os olhos do homem que chora. Eu com um nó na garganta, também, tomo nota, disfarçando a emoção com a esferográfica. Américo Dias Ferraz levantou-se calado e cabisbaixo; nem uma palavra mais. O vulto recortado nos batentes, entreparou um instante, de costas para mim. Ensaiou para dizer qualquer coisa, mas não disse. Deu o primeiro passo no corredor, um corredor de 14 anos de comprimento. A porta gradeada no pavilhão de celas rangeu nos gonzos e Américo Dias Ferraz entrou no estranho mundo dos homens sem amanhã ..."
Fonte: Revista Norte do Paraná - Julho de 1963 - Reportagem: "Américo: 5.000 dias sem sol"
(Acervo de J. C. Cecilio)
Nossa, Cecilio, que coisa triste e linda. Parabéns!
ResponderExcluirÉ emocianante e impactante as falas de Américo.
ResponderExcluirSabe por onde andam os familiares dele?
Eu sou neto do Américo, estou adorando ver essas postagens!!! Obrigado
ResponderExcluirCaro Victor, onde mora a família do Sr. Américo? Você teria imagens de teu avô? Caso queira, publicaremos neste blog, ok? Grande abraço!
ResponderExcluirOlá! Meu pai, que é filho dele, mora atualmente em Sorocaba/sp, assim como eu e minha irmã também.
ExcluirNão cheguei a conhecê-lo, estive até comentando sobre o assunto com o Miguel Fernando, não tenho nada comigo para poder mostrar mas vou ver se consigo achar alguma coisa, ou descobrir mais acontecimentos daquela época. Justamente por isso achei ótimas as postagens, muito pouco me foi falado. abraço
Olá, Victor, tudo bem?
ExcluirEstou pesquisando a vida do Américo para uma biografia dele, que vou escrever junto com o jornalista Dirceu Herrero, pode me passar seu contato? Meu e-mail donijornalismo@gmail.com Meu celular é 44-99963-2181. Abraço.
Sou sobrinho neto dele e moro em Maringá ele éra irmão da minha avó armezinda Dias Ferras e temos mais parentes morando aquí em Maringá, meu nome é marcos. Gostaria de saber mais sobre éssa figura.
ResponderExcluirOlá, Aurélio, tudo bem?
ExcluirEstou pesquisando a vida do Américo para uma biografia dele, que vou escrever junto com o jornalista Dirceu Herrero, pode me passar seu contato? Meu e-mail donijornalismo@gmail.com Meu celular é 44-99963-2181. Abraço.
Boa tarde Airton! Meu pai é da família Dias Ferraz da zona rural de Guiricema e um amigo dele disse que o Américo era da mesma família. Onde ele nasceu?
ExcluirMuito prazer! Meu colega Miguel Fernando tem mais informações em seu blog, vale a pena conferir:
ResponderExcluirhttp://maringahistorica.blogspot.com.br/
Um abraço!
Muito rico esse material!
ResponderExcluirMinha mãe era prima da esposa do Sr Américo,eu fiquei por cinco meses hospedada na casa deles,no ano de 64/65.Ele nunca esteve presente, provavelmente estava preso.
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