"eu defenderei até a morte o novo por causa do antigo e até a vida o antigo por causa do novo.
O antigo que já foi novo é tão novo como o mais novo."
Augusto de Campos (Verso, reverso, controverso)

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Zé Maringá, Zé Maringá...

 

José Ignácio da Silva e Eleutéria Cordeiro da Silva - ao fundo, registro da abertura da estrada Maringá-Porto São José e do Hotel Campestre/Maringá - 10/11/1942 - Cia. de Terras Norte do Paraná/Prefeitura de Londrina.



Zé Maringá, Zé Maringá... !

   José Maringá entrou na mata cantarolando “Maringá”, um carpinteiro de ofício,  construiu um pequeno hotel e sua casa juntamente com sua esposa Eleutéria Cordeiro.  De repente viu que tinha fundado uma cidade!

 Do brabo, mas também divertido pioneiro Zé Maringá (José Ignácio da Silva):

Lá, no início da década de 1950...

Um repórter forasteiro na “cidade-moça” diz ao Zé Maringá:

“Quero saber sua história”.

Zé Maringá negou-se a falar ou tirar fotografias. Justifica a sua atitude pelo fato de já ter sido explorado por jornalistas inescrupulosos que passaram pela região.

“Outros que aqui estiveram afirmaram que nada queriam, depois me exigiram 50 contos cada um, e nunca saiu nas revistas!”

O repórter insistiu. Zé Maringá permanece firme!

Então, este repórter corre ao hotel e apanha um exemplar da “Time” com uma foto dele para atestar a credibilidade de jornalista. José Ignácio sacudiu a cabeça, negativamente:

“Eu nunca ouvi falar desta  tal Time.  Time que eu saiba é só pra jogo de bola! Não acredito nisso! Aqueles seus companheiros que tomaram meu dinheiro, também traziam revistas feitas em Londrina pra enganar a gente. Esta deve ser a mesma coisa!”

 


sábado, 31 de outubro de 2020

Edgar Werner Osterroht, o ilustrador

Edgar Werner Osterroht (1934-2020) -  foto de Fábio Dias de Souza



O pioneiro Edgar Werner Osterroht, faleceu há uma semana, no dia 24/10/2020 em Maringá. Chegou na cidade de Maringá com sua família em 1951. Arquiteto/
engenheiro civil, artista plástico e escritor. Alemão de nascimento (Tilsit, antiga Prússia), ele tinha 85 anos de idade e foi por muitos anos funcionário da Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná. Seu trabalho mais conhecido são as telas pintadas de paisagens coloridas das ruas de Maringá e outras cidades do Norte do Paraná.  

Abaixo, revelamos algumas raras imagens de seu trabalho como ilustrador de capas, reportagens e anúncios  da revista NP - Norte do Paraná em Revista, capa do livro Robson, de A. A. de Assis e algumas telas. Também participou de várias publicações de várias  publicações (jornais, revistas e livros) nos anos de 1950 e 1960.













Fonte:  Acervo de J. C. Cecilio
Ilustrações: Edgar Werner Osterroht
 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Conversas do Sertão II

 Fé  Sertaneja


Numa tarde sossegada de julho lá pelos anos de 1948, estava trabalhando no meu escritório, quando o porteiro me chamou. Havia na portaria um senhor de idade que queria falar comigo. Desci. Na saleta está sentado um  sertanejo de uns sessenta anos. Tipo de mineiro de Montes Claros.

Pele queimada, olhos entre verdes e  castanhos, lábios finos, orelhas grandes e delgadas caídas um pouco para frente, cabelo curto já grisalho. Trajava um terno de brim caqui, feito em casa. Calçava botinas marrons, de elástico. Tinha um olhar límpido, umas feições  de bondosa energia. Não era muito alto como costumam ser os montanheses. Mas o esguio do corpo lhe aumentava a altura. Cumprimentou-me respeitosamente,  e se apresentou:

_ Sou sitiante. Vim lá de Minas Gerais há três anos, há um ano estou abrindo uma fazendinha de café, quarenta quilômetros para lá de Maringá.

Maringá, naquela época era uma promessa de cidade. Tinha um ano de idade e, a maior parte dela era mata virgem: Aquele homem morava ainda a quarenta quilômetros para lá. Era um pioneiro, desbravador do sertão. Realmente, suas mãos calejadas mostravam falavam do manejo do machado e da foice. 

_ Moro num rancho de palmito, com minha mulher. Nossa vida é dura, estou plantando para meus filhos que deixei em Minas. Viajei a cavalo sete léguas até Maringá. Tomei uma caminhão até Apucarana. E de lá vim de trem até Ourinhos. De Ourinhos cheguei de jardineira. Deixei meus trens no Hotel Avenida, e vim ver o senhor.

Eu estava intrigado com aquele longo proêmio. Aonde queria ir o bom do mineiro? Como eu mesmo sou mineiro conheço minha gente. Mas não podia atinar com o objetivo de tal inesperada visita. Pensei em política, em queixa contra o Vigário, pedido de licença para construir capela, negócios, casos de família. Nada parecia corresponder à figura que ali me falava. A conversa ia se prolongando. O homem começou a contar a vida toda. Eu escutava, por fim, eu tomei a iniciativa, e perguntei:  

_ Meu bom amigo, eu gostaria de saber o que é que o senhor deseja de mim?

_ Já lhe digo senhor Bispo. Eu moro num lugar aonde é difícil chamar um padre. Eu posso morrer a qualquer hora. Eu vim me confessar. Fazer uma confissão geral de minha vida. Se Deus me chamar quero poder aparecer diante Dele sem susto.

Comoveu-me a fé daquele sertanejo. Três dias de viagem, incômoda a mais não poder se confessar. Perguntei:

_ Por que não se confessou  em Maringá com o padre

_ Não. A confissão de minha vida toda eu quero fazer com meu Bispo.

Levei-o à capela. Já estava mais que preparado. Confessou-se. Contou tudo, desde os sete anos. Depois se despediu com lágrimas nos olhos. No dia seguinte, cedinho, voltou ao palácio para assistir a santa missa e receber a santa comunhão. Depois partiu de volta para o mato, para seu rancho de palmito. Viverá ainda? Não lhe perguntei pelo nome, nem pelo lugar exato onde morava. Nunca mais o vi. Mas nós nos veremos de novo no céu.

Almas sertanejas! puras!  No meio das cruzes da vida sacerdotal, o padre tem momentos assim, que o põem bem junto de Deus, deste Deus que trabalha na filigrana da graça com o ouro das almas.

Ao contemplar a fé daquele sertanejo, lembrei-me dos heroicos sacerdotes do nosso interior, os nossos padres vigários, humildes, tenazes, apostólicos, que educaram a nossa gente. Nosso clero secular, que na labuta cotidiana formou a geração dos nossos sertanejos de fé de bronze. Lembrei-me das batinas pretas de Minas, minha terra, do interior do Paraná, das montanhas e planícies do Rio e Espírito que consumiram e consomem a sua vida para conservar e fomentar a fé profunda, ingênua e mística do nosso povo. Lembrei-me dos religiosos, dos missionários, os incendiários de Deus que passam abrasando as paróquias, as capelas, os sertões com o facho da pregação.

Lembrei-me de todos eles ao contemplar aquele sertanejo de Montes Claros, filho do sertão das secas, olhos límpidos e alma pura. Realmente a palavra do  Senhor é verdadeira: "Outros semearam e vós entrastes na seara plantada por eles, para colherdes o trigo".

Padres, Bem aventurados os vossos pés, que palmilhais todas as estradas evangelizando a Paz, evangelizando o Bem!

Dom Geraldo de Proença Signaud  S.V. D. 

 Bispo da Diocese de Jacarezinho (1947-1961) 
 Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Diamantina (1961-1980).


Fonte:  Texto publicado no jornal A Estrela Polar ( setembro de 1961 )

domingo, 2 de agosto de 2020

1957 - Acidente aéreo no centro de Maringá




Imagem/fragmento de filme  original das manobras dos aviões da FAB durante a semana comemorativa do 10º aniversário da cidade de Maringá. Dia 11 de maio de 1957 em pleno centro da cidade. Foto de Renato Melito 



Eram 10:30 horas da manhã, quando uma esquadrilha composta de seis aviões das bases aéreas de São Paulo e Curitiba começaram a fazer evoluções sobre a cidade, como parte das comemorações ao 10º aniversário da cidade de Maringá. Incríveis evoluções e acrobacias em voos rasantes á pequena e perigosa altura, o que deixavam os expectadores aflitos mas também animados  naquele dia festivo.   

Essas acrobacias, naturalmente, constavam do programa oficial das comemorações e que a Cia. Melhoramentos Norte do Paraná, entregaria naquele dia, como entregou mais tarde comovidamente, na palavra de um dos seus diretores, deputado federal Hermann Moraes de Barros, o campo de pouso dessa cidade à administração do Ministério da Aeronáutica, doando os terrenos e benfeitorias  ao mesmo - representado aqui pela presença de seis brigadeiros - depois de inverter a Cia. em suas obras, mais de 4 milhões de cruzeiros.

O avião T6-1634 se destacava dos demais, pelo arrojo e, mesmo, imprudência dos seus aviadores, que sobrevoavam à baixa altura os telhados das casas, deixando a população em frenesi. Já uma vez havia esse avião passado à baixa altura pela moderna Praça Raposo Tavares com sua belíssima fonte luminosa. Voltando a sobrevoá-la  novamente, agora num longo voo rasante, iniciado à altura do Grande Hotel Maringá e, continuado no curso da Avenida Getúlio Vargas, aconteceu a tragédia.

Na área principal e de entrada  dessa praça transformada em monumental jardim, tendo ao centro a estonteante fonte luminosa, erguem-se dois mastros finos, de aço, ambos com 9 metros cada um. Num destes mastros, o avião, em louca velocidade, coincidiu chocar sua asa, que imediatamente se desgarrou , tomando ambos, no espaço sentidos de queda diferentes. O avião desgovernado, sem uma das asas, ricocheteou no ar, caindo ao solo imediatamente, de rodas para cima, 200 metros além, sobre o casinhoto  que abrigava o motor hidráulico  da caixa d'agua  da estação ferroviária. A asa, como uma folha seca, tal qual o corpo do avião caia na esquina da Rua Bandeirantes (atual Joubert de Carvalho) com a Praça Raposo Tavares, completamente cortada pelo mastro de aço.

Fonte: Acervo particular da família Jorge Abrão/Seravalli  - Fotografia datada "10-05-57", sem crédito do autor.  -  Jaime de Oliveria Machado - A Gazeta Esportiva (sem crédito)
 Acervo particular da família Jorge Abrão/Seravalli  - Fotografia datada "10-05-57", (sem crédito)

Jaime de Oliveira Machado   - A Gazeta Esportiva, 1957 (sem crédito)

Por quase um milagre ninguém, em solo, se feriu, uma vez que a praça estava repleta de populares, devido a uma prova ciclística de dias e noites de resistência que se realizava ali , o "campeão mundial de ciclismo" Jaime de Oliveira Machado tentando quebrar um recorde de 72 horas pedalando sem parar.

Por uma singularidade do destino, os dois mastros erguidos na praça estavam sem as bandeiras, retiradas horas antes para servi-las em outras diversas solenidades naquele dia. Daí a pouca visibilidade dos mastros finos e pintados de verde, cuja cor, na distância, se perdia com o vasto gramado, gerando um "golpe de vista" trágico.

No pátio da ferroviária, ao lado da grande caixa d'água, o avião completamente estraçalhado em ardentes chamas.
Antes houve um grande estrondo, a fumaça e as chamas eram envolventes, devorando o amontoado de destroços metálicos da aeronave com as rodas para cima, completamente retorcido, o motor com a hélice destroçada, tendo no bojo os corpos dos dois aviadores em seu fardamento de paraquedistas totalmente carbonizados.
 
Caminhões tanque da Prefeitura Municipal e extintores ajudaram a apagar as chamas da aeronave carbonizada, avião de caça da FAB, prefixo T6-1634 a poucos metros da praça central onde havia grande aglomeração que assistia ao show aéreo. Os dois pilotos morreram instantaneamente no choque com o solo a 350 km/h. Um mineiro, de Campo Belo, 2º tenente Afonso Ribeiro de Melo, de 24 anos e um paraense, de Belém, 1º tenente Dagoberto Seixas dos Anjos de 26 anos. 
Modelo similar do caça North American T6-D 1617 Texan
 (Museu Aeroespacial Brasileiro, RJ) 

Tenente Aviador Dagoberto Seixas dos Anjos.

Publicação da Aeronáutica para a missa de 7º dia nos jornais do Rio de Janeiro.





Fonte: Reportagem e foto de Soares de Faria Júnior (1957)


domingo, 26 de julho de 2020

Desfile do Aniversário: Maringá 14 Anos

Maringá 14 Anos - Nova aquisição de fotografias inéditas do desfile de 10 de Maio de 1961.

Postagem detalhada em breve.

Fonte: Imagens sem créditos do autor.
Origem: Família da cidade de Boituva, SP.
Acervo pessoal de J.C. Cecilio


domingo, 19 de julho de 2020

Conversas do Sertão I

Como se mata uma onça

Dom Geraldo de Proença Signaud S.V.D.

Nossa perua Willys corria a bom correr pela estrada de Maringá a Guaíra. Passamos Jussara, então uma clareira na mata virgem, fomos pousar no Cruzeiro do Oeste. A cidade era um formigueiro de pioneiros vestidos de bombachas amplas e calçados de botas de sanfona, que iam a meia canela. Caminhões de toras se sucediam, levando grossas perobas, alvos paus-marfim, rosados cedros, a caminho de São Paulo.
A nova igreja do Cruzeiro já estava erguida. Construção de madeira, muito bem acabada, surpreendia o visitante por sua amplidão, beleza, clareza e luminosidade. Aproveitamos a tardinha para comprar uns chapéus de palha, mais aptos para as viagens em canoa e as batidas na mata, do que nossos chapéus duros. De madrugada, quando os galos cantaram pela segunda vez, celebramos a santa Missa e nos pusemos na estrada.
Éramos quatro, o motorista, dois seminaristas e eu. Estávamos apreensivos. Tínhamos a nossa frente quase 200 km de estradas desconhecidas, esburacadas e tínhamos que cruzar o Piquiri. Fomos nos informando. Até Umuarama a estrada era boa apesar da chuva. A Companhia Melhoramentos a conservava. E depois? Perguntamos num bar. Um motorista nos informou:
 _ Até Iporã a estrada é mais ou menos. Eu vim de lá ontem.
_ E de lá até o Piquiri?
O homem olhou o carro e perguntou:
_ Está em bom estado?
_ Está em forma.
_ Então é capaz de varar. Mas são 30 km de mato, buracos e lama.
_ E a balsa? Dizem que rodou na enchente.
_ Não, a jardineira de Guaíra chegou ontem aqui. A balsa está dando passagem.
_ Menos mal. Vamos com Deus!
Chegamos em Iporã, tivemos de tomar gasolina. O lugarzinho estava nascendo mas o pulo era da floresta virgem ao século XX. Paramos num posto. Atenderam-nos prontamente. Enquanto o motorista se apetrechava  para o último trecho perigoso, dei uma volta para desenferrujar as pernas. O posto de gasolina encontrava-se no cruzamento de duas largas avenidas. A transversal era muito larga. Divisei umas balizas brancas no chão. Dirigi-me a elas. Qual não foi minha surpresa, quando atrás de um galpão vi dois aviõezinhos amarrados ao chão, um Cessna e outro Bonanza. Logo atrás o paredão majestoso da mata virgem, e lá longe, na serra dos Dourados o toldo dos Kaingangs. Do neolítico à era atômica de um salto. Retrata o todo do Brasil.
_ Salve Maria!
_ Salve Maria!
Eram dois marianos que se aproximaram de nós.
_ O Sr. Padre vai ficar conosco?
_ Não, vamos para Guaíra.
_ Será que o Senhor tem uma beiradinha para nós? Temos de ir até lá combinar com o Padre a próxima visita.
_ Vamos juntos, mas com uma condição.
_ Qual é?
_ Se for preciso fazer força para tirar o carro do atoleiro.
_ Não há dúvida, nós arregaçamos as mangas.
E assim ganhamos mais dois companheiros. Compramos pão, velas goiaba, para o caso de ficarmos na estrada, despedimo-nos daqueles bons moços e a perua enfrentou o estradão liso. Depois veio a mata virgem com atoleiros.
_ Desculpem a curiosidade. Os senhores vão ficar em Guaíra?
_ Não, vamos visitar as Sete Quedas e de lá vamos ao Iguaçu, visitar os saltos de Santa Maria.
E a conversa foi rendendo. Falamos das quedas do Paraná Grande, do Iguaçu.
Enquanto isso, observava os novos companheiros. O distintivo na lapela o dizia. Eram Marianos. Ambos mineiros. Um, moço e taciturno, o outro homem de seus 405 anos alegre e conversador. Tinham fundado a Congregação Mariana de Iporã e já tinham 30 homens. Zelavam a capelinha, e se aprontavam para construir a capela nova. Preparavam a vinda do padre, davam catecismo às crianças, preparavam os casamentos e dispunham os doentes para uma morte santa. Depois de conversarmos longamente sobre a vida religiosa, a conversa caiu para o sertão.
_ Sr. Bispo, aqui neste sertão vive cada onça que dá medo.
_ O Sr. Já encontrou alguma?
_ Já, e mais de uma ficou estirada no mato.
_ Como é que caça onça?
O mineiro ficou sério e não respondeu logo. Quando ele começava a falar sua voz tinha um timbre diferente, e era solene.
_ Sr. Bispo, se o Sr, quiser caçar onça eu já lhe ensino como o Sr. faz. Arranja primeiro uma boa carabina de bala... Não confie nestas espingardinhas de matar tico-tico, Flaubert e companhia.
_ Remington serve?
_Tem que ser coisa graúda... Arranje munição garantida, que não falhe. A bicha costuma vir na fumaça. Leve um pau de fogo que não negue. E uns bons cachorros onceiros. Quando os cachorros sentem a onça perto, ficam nervosos, dão sinal. Mecê os solte, e os vá acompanhando devagar. Eles começam a perseguir a onça. Cerca daqui, corre dali, acua acolá, e a onça vai para lá, vem para cá. O Sr, firme como o pau na mão, o dedo no gatilho. Quando mecê ouvir que a cachorrada fica no mesmo lugar,  é sinal que a onça trepou num pau. Vá andando devagarzinho. Quando der com os olhos nela pare. Chame os cachorros e os amarre longe dela.
_ Por que?
_ Porque já lhe digo. Por melhor que seja o caçador, nunca mata a bicha com uma bala só. Ela cai no chão, a desalmada, e a cachorrada vem em cima dela. E ela, zaz, zaz, e cada patada é um cão destripado. Se mecê quer bem a seus cachorros amarre-os longe da bicha.
_ E depois?
_ Mecê procure uma árvore jeitosa e trepe, mecê no toco cá, e ela no toco lá. A cachorrada uiva e late, e a onça continua trepada. mecê não tenha pressa. Trepe na sua árvore de jeito que veja bem a bicha na sua frente.
_ E mete fogo?
_ Não. Espere... espere... Quando ela der as caras, mecê calca o gatilho e remete a carga.
_ Mas onde é que eu aponto?
_ Ali estão elas. Eu já lhe digo. Se mecê quiser fazer um trabalho limpo, ouça bem, tem que atirar, ou no pé do ouvido ou atrás da costela minguinha.
Chegamos ao Piquiri. Tínhamos passado os 30 quilômetros de atoleiro no meio do mato. A perícia do motorista contornara os buracos, vencera os galhardamente os obstáculos. Uma barranca íngreme. No fundo corre majestoso, o rio. Uma balsa precária nos acolhe. Prendendo uma grande chave de madeira ao cabo de aço, o balseiro impele a balsa pelo rio. Vinte minutos e o motor arranca ribanceira acima. Mais uma hora, e um lençol de prata de seis quilómetros se estende diante de nós: o Paraná Grande, antes de se precipitar nas suas Sete Quedas.
_ Salve Maria!
_ Salve Maria!
Os dois homens beijaram-me o anel e se foram. Nunca mais me esqueci da receita de matar onça.

'Quando ela der as caras, é só atirar no pé do ouvido ou por trás da costela minguinha.'



Dom Geraldo de Proença Signaud  S.V. D. 
 Bispo da Diocese de Jacarezinho (1947-1961) 
 Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Diamantina (1961-1980).



Fonte:  Texto publicado no jornal A Estrela Polar (setembro de 1961)




sábado, 11 de julho de 2020

Duque Estrada: Um dia para não esquecer!



"Não se pode fugir ao medo, mas aprende-se a dominar o pânico!" 
 Jorge Ferreira Duque Estrada (1916-1983)

12 de dezembro de 1952: O lendário e multifacetado (advogado, escritor, aviador, comerciante ...)  Jorge Ferreira Duque Estrada, figura que marcou a velha Maringá da década de 1950, relata como foi o dia onde solenemente receberia sua  diplomação a vereador eleito para  primeira Câmara da Cidade. 


"Logo cedo, fui acordado pelo sr. Dr, Luiz Lemos Quaglia, médico, que desejava voar até sua fazenda nas proximidades de Santa Izabel, quase na confluência do Rio Ivaí com o Rio Paraná. Iríamos de "Piper", prefixo PP-GII, do Aero Clube de Maringá.  
Decolamos de Maringá cerca de sete horas e a viagem decorreu normalmente. Sobrevoamos a fazenda,  pousamos e ele foi tratar de seus afazeres. Cerca das onze horas voltou e pediu-me para comandar o "Piper"  
viajando na frente. Eu o ajudaria no pouso com os comandos de trás. Bem, ele era "brevetado" , nenhum inconveniente haveria nisso, pensei. Decolamos. O Ivaí ia ficando à nossa  direita, enquanto lá embaixo a mata se apresentava em toda sua majestade.

Voamos cerca de quarenta minutos, ou seja, 100 quilômetros. Ao atingirmos as proximidades de um patrimônio denominado Floriano, mantínhamos a altitude de 200 metros. Repentinamente, o "Piper" começou a "soluçar".
Eu voava atrás, como já disse, de modo que embora o comando seja duplo, os indicadores do painel ficam mais visíveis para quem pilota na frente. Debrucei-me no ombro do meu companheiro e reparei que a rotação caíra para 1.500, sofrendo bruscas alterações. Como o dia estivesse frio, abri o ar quente, pensando em gelo no carburador. Nada adiantou. Experimentei um e outro magneto. Nenhum resultado. Gasolina: daria para chegar em Maringá. Fiz uso do "primer": nada. E fomos perdendo altura. 

  O Luiz gritou para mim:
  _ "Comandos com você!..."

Estabilizei o "teco-teco", enquanto, lá embaixo, toco "era mato". Nenhum campinho onde pudéssemos "depejar".
A viabilidade, para quem pilotava atrás, na iminência de uma aterrisagem forçada, não era lá grande coisa e o terreno era o pior possível, cheio de tocos e árvores recém-derrubadas. O Luiz, com fisionomia de transtornada, virou-se para mim e falou em desespero:

 _ Duque, uma perna para sair vivo!

 _ Flaps, Luis!

A estradinha surgiu na nossa frente. "Arredondo o "Piper". As rodas tocam o chão. Nada vejo pela frente. Olho lateralmente. A estradinha se estreita velozmente. A asa esquerda, encontra uma peroba queimada. Um baque duro. O avião faz 180 graus. Quebra-se o trem. A cabine se "almoga" e um suporte passa entre minha cabeça e a do Luiz. 
Paramos, afinal. Desapertamos os cintos e saltamos.
As pernas do Luiz continuam incólumes, felizmente. Estamos salvos.
Às 14 horas, ainda emocionado - guardando, bem nítidas, as sensações de ter estado, face a face, com a morte. Recebi meu diploma."


Recurso extremo.

"Um cheiro de qualquer coisa queimando, vem do motor. Fecho a gasolina e desligo os magnetos, por via das dúvidas. Silêncio. Estamos planando. Lá adiante uma estradinha aparece como um fio de esperança. Ah! se eu conseguir "esticar o planeio"!  Sim, eu sei, é perigoso, podemos "estolar". Mas não! Estou de olho vivo na velocidade! O silêncio é enorme e nos envolve completamente. Olho a direção do vento e falo ao Luiz:

  _ Quando eu pedir, puxa a alavanca dos flaps!

Ele balança a cabeça, assentindo. A terra vem chegando, chegando...

Que se sente num momento desses? Muita gente que piloto não tem medo. É mentira! Todo ser humano normal está sujeito ao medo diante de uma situação inesperada, que põe em fogo a existência física ou mesmo a integridade moral. O que a gente aprende é a dominar o pânico, relaxar os músculos e educar o raciocínio para as providências a serem tomadas nessas ocasiões. Isto não impede, todavia, que o cérebro sofra um processo de aceleração - e as ideias apareçam com grande rapidez. A vida surge diante de nós, digamos como um grande painel, cujos relevos maiores são os fatos que melhor guardamos na memória. Saltamos de um para outro e, por mais estranho que pareça, esse trabalho mental vai colocando nosso corpo à parte. Já não é ele que nos preocupa tanto, é algo maior, diferente talvez da multiplicidade e grandeza com que a vida se manifesta em tal momento - a luz, as coisas, a gente, tudo se agiganta, dando o sentido real da perda, da vida que nos foge, enquanto seguimos, inexoravelmente, o caminho do desconhecido."

Fotografia do acidente (autor) - livro Terra Crua
Este evento foi descrito também no livro "Terra Crua" por Jorge Ferreira  em 1957 e lançado em 1961.


Anúncio do escritório de advocacia de Jorge Ferreira - O Jornal de Maringá (década de 1950)

















LIvros editados do autor: Terra Crua (1961) / Isto é Voce, Maria... (1974)

Nota: 
Em 2014, o livro Terra Cruz foi reeditado em versão comentada pela EDUEM (UEM) 

Fonte: Relato ao repórter Eugênio Lyra Filho (Curitiba, 1957)
Acervo: J.C. Cecilio 




quinta-feira, 9 de julho de 2020

SANBRA: Greve vitoriosa!

Operários paralisados aguardam sua reinvindicação  salarial - unidade SANBRA de Maringá.
Na meia-noite do dia 20 de maio de 1963 (uma segunda-feira), começa a vigorar greve geral na unidade da SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro) da cidade de Maringá.
Conforme assembleia dos operários, foi aprovada por unanimidade pelos presentes.
A reinvindicação era de 70% de aumento sobre seus salários já muito defasados. A adesão paredista foi total, sem tentativas de "furões" ou piquetes. O movimento foi coeso e pacífico de ambos os lados (patrão/empregado). 

Uma comissão de empregados foi criada pelos organizadores e que seguiram para a matriz em São Paulo.  O Advogado dos operários foi Jorge Haddad, consultor jurídico de diversos sindicatos de Maringá e região.  Dezenas de caminhões carregados de algodão parados no entorno da sede, na Avenida Colombo. Motoristas e operários também "carregados" de muita ansiedade.  

Por quatro dias, seguiram-se as árduas negociações na capital paulista.

Finalmente, após o quarto dia, no fim da noite, fecharam  o acordo com a majoração de 35% sobre os salários da unidade. Foi considerada uma grande vitória por todos os funcionários, obtendo o piso salarial equivalente aos colegas do  Estado de São Paulo.


Fonte: Jornal Ultima Hora (Curitiba)  - Maio 1963
Foto sem crédito (Ultima Hora)

quarta-feira, 10 de junho de 2020

VASP - Uma Cegonha no ar!


Miguel, o Anjo da Vasp !


Maria Alice Lepeco posa com o bebê Miguel Vaspeano Lepeco, minutos após o parto a bordo.
(O Jornal de Maringá – 1957)

Naquela manhã fria do final de outono, no dia 10 de junho de 1957, chega ao Aeroporto de Guaíra*, um velho Ford 29 conduzindo um modesto casal até a porta do avião, um Douglas DC-3 da VASP prefixo PP-SQA** na pista pronto para decolar com destino a Maringá, com escala em Campo Mourão. O marido acompanha sua esposa Maria Alice Lepeco no nono mês de gravidez, com risco apontado pelo seu medico em Guaíra, que não tinha recursos para um parto cesariana, por isso recomendou ir a Maringá.
Durante o voo, próximo ao pouso em Campo Mourão, a sra. Maria Alice sentiu os primeiros sintomas de parto. O comandante Eleud suprimiu a escala em Campo Mourão e seguiu direto para Maringá. Agindo mais que rapidamente, o comissário  Celso Schmidt improvisou uma cama e cortinas com mantas de bordo. Convocou duas passageiras para ajudar no serviço de parto, transformando-se em obstetra. Poucos minutos depois, um choro de bebê chegava até a cabine do piloto.

“É um menino!” – anunciou o comissário.

Os passageiros e tripulação contagiados pela emoção, aplaudiram e choraram de  alegria ao ver o novo passageiro chegar em pleno ar. Por radio o comandante passou o relato onde solicitou um medico e uma ambulância.
Aterrisagem perfeita, o novo e demais passageiros desembarcaram em Maringá, onde uma ambulância e vários repórteres aguardavam os protagonistas do belo acontecimento. Os bebê com seus pais foram encaminhados para a Maternidade São José.

A mãe, muito feliz e agradecida, disse: “Pois, por causa da VASP, vai se chamar Vaspeano!”.

Não se sabe, se foi o pai que adicionou o primeiro nome de  Miguel (nome de anjo, por nascer no céu). Batizado como Miguel Vaspeano Lepeco com as honras do  comandante Eleud Ziolkowski  como  padrinho,
No Brasil, foi o primeiro caso de parto em voo. No exterior já havia relatos nos tempos da Segunda Guerra.

(*) Os aeroportos de Guaíra e Campo Mourão foram autorizados a operar voos comerciais em 1955.
(**) A aeronave Douglas DC-3 da VASP prefixo PP-SQA sofreu acidente durante pouso no Aeroporto de Rondonópolis, no estado de Mato Grosso, em 29 de janeiro de 1973, sem relato de vítimas.



*


Vaspeano, perpétuo!


Da esquerda para direita, Comandante (e padrinho) Eleud Ziolkowski, Miguel Vaspeano Lepeco, o Chefe do Serviço Médico, José Gonzaga F. de Carvalho e o presidente da VASP, José Alfredo de Almeida, durante almoço anual da empresa em São Paulo. (Diário da Noite, São Paulo, 1963).
 Aos seis anos de idade, em dezembro de 1963, o garoto Miguel Vaspeano Lepeco, morador de Guaíra, Paraná, foi o convidado de honra no almoço anual da VASP com toda a direção da empresa, jornalistas e agentes de turismo em São Paulo. Miguel recebeu um “Passe-Livre Perpétuo” (passagem grátis  em todos os voos pela companhia).

Em 2008, a empresa VASP encerrou suas atividades após muitos problemas administrativos e dívidas.

Relação dos funcionários da VASP em 1975 (jornal Correio Braziliense - 1975)
*


Um Anjo caiu! 

Miguel, agora adulto, foi funcionário da VASP e piloto por 34 anos. Durante sua vida profissional, na maior parte na região amazônica, passou por muitas situações de perigo e acidentes, sem vítimas.
Em 13 de maio de 2010, num voo fretado pela Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, o O avião Embraer EMB-810C Seneca II prefixo PT-EUJ decolou do aeródromo de Flores, Manaus, em direção a Maués , também no Amazonas, a cerca de 365 km.

O piloto perdeu o controle do avião, mas conseguiu desviar de um bairro populoso de Zumbi dos Palmares, na zona leste de Manaus. Todos os seis ocupantes faleceram na queda:  Miguel, o piloto, a Secretária de Estado e demais funcionários desta secretaria. O governador decretou luto oficial por três dias. Miguel deixou esposa e filhos.


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É uma menina! - Socorro no Ar!  


No dia 30 de setembro de 1965, o casal Maria e Luciano Trovisco, voava em um DC-4, partindo do Rio de Janeiro, Guanabara com destino a  Manaus, Amazonas. Maria, 26 anos, gestante pelo nono mes, dá à luz em pleno voo de carreira. Assim nascia  Maria do Perpétuo Socorro Trovisco. O rádio-operador Castanhola fez o parto com grande sucesso. Muita alegria a bordo.


Atualmente, a Dra. Maria do Perpétuo Socorro Trovisco Caldas é médica em Curitiba, estado do Paraná.