"eu defenderei até a morte o novo por causa do antigo e até a vida o antigo por causa do novo.
O antigo que já foi novo é tão novo como o mais novo."
Augusto de Campos (Verso, reverso, controverso)

domingo, 26 de julho de 2020

Desfile do Aniversário: Maringá 14 Anos

Maringá 14 Anos - Nova aquisição de fotografias inéditas do desfile de 10 de Maio de 1961.

Postagem detalhada em breve.

Fonte: Imagens sem créditos do autor.
Origem: Família da cidade de Boituva, SP.
Acervo pessoal de J.C. Cecilio


domingo, 19 de julho de 2020

Conversas do Sertão I

Como se mata uma onça

Dom Geraldo de Proença Signaud S.V.D.

Nossa perua Willys corria a bom correr pela estrada de Maringá a Guaíra. Passamos Jussara, então uma clareira na mata virgem, fomos pousar no Cruzeiro do Oeste. A cidade era um formigueiro de pioneiros vestidos de bombachas amplas e calçados de botas de sanfona, que iam a meia canela. Caminhões de toras se sucediam, levando grossas perobas, alvos paus-marfim, rosados cedros, a caminho de São Paulo.
A nova igreja do Cruzeiro já estava erguida. Construção de madeira, muito bem acabada, surpreendia o visitante por sua amplidão, beleza, clareza e luminosidade. Aproveitamos a tardinha para comprar uns chapéus de palha, mais aptos para as viagens em canoa e as batidas na mata, do que nossos chapéus duros. De madrugada, quando os galos cantaram pela segunda vez, celebramos a santa Missa e nos pusemos na estrada.
Éramos quatro, o motorista, dois seminaristas e eu. Estávamos apreensivos. Tínhamos a nossa frente quase 200 km de estradas desconhecidas, esburacadas e tínhamos que cruzar o Piquiri. Fomos nos informando. Até Umuarama a estrada era boa apesar da chuva. A Companhia Melhoramentos a conservava. E depois? Perguntamos num bar. Um motorista nos informou:
 _ Até Iporã a estrada é mais ou menos. Eu vim de lá ontem.
_ E de lá até o Piquiri?
O homem olhou o carro e perguntou:
_ Está em bom estado?
_ Está em forma.
_ Então é capaz de varar. Mas são 30 km de mato, buracos e lama.
_ E a balsa? Dizem que rodou na enchente.
_ Não, a jardineira de Guaíra chegou ontem aqui. A balsa está dando passagem.
_ Menos mal. Vamos com Deus!
Chegamos em Iporã, tivemos de tomar gasolina. O lugarzinho estava nascendo mas o pulo era da floresta virgem ao século XX. Paramos num posto. Atenderam-nos prontamente. Enquanto o motorista se apetrechava  para o último trecho perigoso, dei uma volta para desenferrujar as pernas. O posto de gasolina encontrava-se no cruzamento de duas largas avenidas. A transversal era muito larga. Divisei umas balizas brancas no chão. Dirigi-me a elas. Qual não foi minha surpresa, quando atrás de um galpão vi dois aviõezinhos amarrados ao chão, um Cessna e outro Bonanza. Logo atrás o paredão majestoso da mata virgem, e lá longe, na serra dos Dourados o toldo dos Kaingangs. Do neolítico à era atômica de um salto. Retrata o todo do Brasil.
_ Salve Maria!
_ Salve Maria!
Eram dois marianos que se aproximaram de nós.
_ O Sr. Padre vai ficar conosco?
_ Não, vamos para Guaíra.
_ Será que o Senhor tem uma beiradinha para nós? Temos de ir até lá combinar com o Padre a próxima visita.
_ Vamos juntos, mas com uma condição.
_ Qual é?
_ Se for preciso fazer força para tirar o carro do atoleiro.
_ Não há dúvida, nós arregaçamos as mangas.
E assim ganhamos mais dois companheiros. Compramos pão, velas goiaba, para o caso de ficarmos na estrada, despedimo-nos daqueles bons moços e a perua enfrentou o estradão liso. Depois veio a mata virgem com atoleiros.
_ Desculpem a curiosidade. Os senhores vão ficar em Guaíra?
_ Não, vamos visitar as Sete Quedas e de lá vamos ao Iguaçu, visitar os saltos de Santa Maria.
E a conversa foi rendendo. Falamos das quedas do Paraná Grande, do Iguaçu.
Enquanto isso, observava os novos companheiros. O distintivo na lapela o dizia. Eram Marianos. Ambos mineiros. Um, moço e taciturno, o outro homem de seus 405 anos alegre e conversador. Tinham fundado a Congregação Mariana de Iporã e já tinham 30 homens. Zelavam a capelinha, e se aprontavam para construir a capela nova. Preparavam a vinda do padre, davam catecismo às crianças, preparavam os casamentos e dispunham os doentes para uma morte santa. Depois de conversarmos longamente sobre a vida religiosa, a conversa caiu para o sertão.
_ Sr. Bispo, aqui neste sertão vive cada onça que dá medo.
_ O Sr. Já encontrou alguma?
_ Já, e mais de uma ficou estirada no mato.
_ Como é que caça onça?
O mineiro ficou sério e não respondeu logo. Quando ele começava a falar sua voz tinha um timbre diferente, e era solene.
_ Sr. Bispo, se o Sr, quiser caçar onça eu já lhe ensino como o Sr. faz. Arranja primeiro uma boa carabina de bala... Não confie nestas espingardinhas de matar tico-tico, Flaubert e companhia.
_ Remington serve?
_Tem que ser coisa graúda... Arranje munição garantida, que não falhe. A bicha costuma vir na fumaça. Leve um pau de fogo que não negue. E uns bons cachorros onceiros. Quando os cachorros sentem a onça perto, ficam nervosos, dão sinal. Mecê os solte, e os vá acompanhando devagar. Eles começam a perseguir a onça. Cerca daqui, corre dali, acua acolá, e a onça vai para lá, vem para cá. O Sr, firme como o pau na mão, o dedo no gatilho. Quando mecê ouvir que a cachorrada fica no mesmo lugar,  é sinal que a onça trepou num pau. Vá andando devagarzinho. Quando der com os olhos nela pare. Chame os cachorros e os amarre longe dela.
_ Por que?
_ Porque já lhe digo. Por melhor que seja o caçador, nunca mata a bicha com uma bala só. Ela cai no chão, a desalmada, e a cachorrada vem em cima dela. E ela, zaz, zaz, e cada patada é um cão destripado. Se mecê quer bem a seus cachorros amarre-os longe da bicha.
_ E depois?
_ Mecê procure uma árvore jeitosa e trepe, mecê no toco cá, e ela no toco lá. A cachorrada uiva e late, e a onça continua trepada. mecê não tenha pressa. Trepe na sua árvore de jeito que veja bem a bicha na sua frente.
_ E mete fogo?
_ Não. Espere... espere... Quando ela der as caras, mecê calca o gatilho e remete a carga.
_ Mas onde é que eu aponto?
_ Ali estão elas. Eu já lhe digo. Se mecê quiser fazer um trabalho limpo, ouça bem, tem que atirar, ou no pé do ouvido ou atrás da costela minguinha.
Chegamos ao Piquiri. Tínhamos passado os 30 quilômetros de atoleiro no meio do mato. A perícia do motorista contornara os buracos, vencera os galhardamente os obstáculos. Uma barranca íngreme. No fundo corre majestoso, o rio. Uma balsa precária nos acolhe. Prendendo uma grande chave de madeira ao cabo de aço, o balseiro impele a balsa pelo rio. Vinte minutos e o motor arranca ribanceira acima. Mais uma hora, e um lençol de prata de seis quilómetros se estende diante de nós: o Paraná Grande, antes de se precipitar nas suas Sete Quedas.
_ Salve Maria!
_ Salve Maria!
Os dois homens beijaram-me o anel e se foram. Nunca mais me esqueci da receita de matar onça.

'Quando ela der as caras, é só atirar no pé do ouvido ou por trás da costela minguinha.'



Dom Geraldo de Proença Signaud  S.V. D. 
 Bispo da Diocese de Jacarezinho (1947-1961) 
 Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Diamantina (1961-1980).



Fonte:  Texto publicado no jornal A Estrela Polar (setembro de 1961)




sábado, 11 de julho de 2020

Duque Estrada: Um dia para não esquecer!



"Não se pode fugir ao medo, mas aprende-se a dominar o pânico!" 
 Jorge Ferreira Duque Estrada (1916-1983)

12 de dezembro de 1952: O lendário e multifacetado (advogado, escritor, aviador, comerciante ...)  Jorge Ferreira Duque Estrada, figura que marcou a velha Maringá da década de 1950, relata como foi o dia onde solenemente receberia sua  diplomação a vereador eleito para  primeira Câmara da Cidade. 


"Logo cedo, fui acordado pelo sr. Dr, Luiz Lemos Quaglia, médico, que desejava voar até sua fazenda nas proximidades de Santa Izabel, quase na confluência do Rio Ivaí com o Rio Paraná. Iríamos de "Piper", prefixo PP-GII, do Aero Clube de Maringá.  
Decolamos de Maringá cerca de sete horas e a viagem decorreu normalmente. Sobrevoamos a fazenda,  pousamos e ele foi tratar de seus afazeres. Cerca das onze horas voltou e pediu-me para comandar o "Piper"  
viajando na frente. Eu o ajudaria no pouso com os comandos de trás. Bem, ele era "brevetado" , nenhum inconveniente haveria nisso, pensei. Decolamos. O Ivaí ia ficando à nossa  direita, enquanto lá embaixo a mata se apresentava em toda sua majestade.

Voamos cerca de quarenta minutos, ou seja, 100 quilômetros. Ao atingirmos as proximidades de um patrimônio denominado Floriano, mantínhamos a altitude de 200 metros. Repentinamente, o "Piper" começou a "soluçar".
Eu voava atrás, como já disse, de modo que embora o comando seja duplo, os indicadores do painel ficam mais visíveis para quem pilota na frente. Debrucei-me no ombro do meu companheiro e reparei que a rotação caíra para 1.500, sofrendo bruscas alterações. Como o dia estivesse frio, abri o ar quente, pensando em gelo no carburador. Nada adiantou. Experimentei um e outro magneto. Nenhum resultado. Gasolina: daria para chegar em Maringá. Fiz uso do "primer": nada. E fomos perdendo altura. 

  O Luiz gritou para mim:
  _ "Comandos com você!..."

Estabilizei o "teco-teco", enquanto, lá embaixo, toco "era mato". Nenhum campinho onde pudéssemos "depejar".
A viabilidade, para quem pilotava atrás, na iminência de uma aterrisagem forçada, não era lá grande coisa e o terreno era o pior possível, cheio de tocos e árvores recém-derrubadas. O Luiz, com fisionomia de transtornada, virou-se para mim e falou em desespero:

 _ Duque, uma perna para sair vivo!

 _ Flaps, Luis!

A estradinha surgiu na nossa frente. "Arredondo o "Piper". As rodas tocam o chão. Nada vejo pela frente. Olho lateralmente. A estradinha se estreita velozmente. A asa esquerda, encontra uma peroba queimada. Um baque duro. O avião faz 180 graus. Quebra-se o trem. A cabine se "almoga" e um suporte passa entre minha cabeça e a do Luiz. 
Paramos, afinal. Desapertamos os cintos e saltamos.
As pernas do Luiz continuam incólumes, felizmente. Estamos salvos.
Às 14 horas, ainda emocionado - guardando, bem nítidas, as sensações de ter estado, face a face, com a morte. Recebi meu diploma."


Recurso extremo.

"Um cheiro de qualquer coisa queimando, vem do motor. Fecho a gasolina e desligo os magnetos, por via das dúvidas. Silêncio. Estamos planando. Lá adiante uma estradinha aparece como um fio de esperança. Ah! se eu conseguir "esticar o planeio"!  Sim, eu sei, é perigoso, podemos "estolar". Mas não! Estou de olho vivo na velocidade! O silêncio é enorme e nos envolve completamente. Olho a direção do vento e falo ao Luiz:

  _ Quando eu pedir, puxa a alavanca dos flaps!

Ele balança a cabeça, assentindo. A terra vem chegando, chegando...

Que se sente num momento desses? Muita gente que piloto não tem medo. É mentira! Todo ser humano normal está sujeito ao medo diante de uma situação inesperada, que põe em fogo a existência física ou mesmo a integridade moral. O que a gente aprende é a dominar o pânico, relaxar os músculos e educar o raciocínio para as providências a serem tomadas nessas ocasiões. Isto não impede, todavia, que o cérebro sofra um processo de aceleração - e as ideias apareçam com grande rapidez. A vida surge diante de nós, digamos como um grande painel, cujos relevos maiores são os fatos que melhor guardamos na memória. Saltamos de um para outro e, por mais estranho que pareça, esse trabalho mental vai colocando nosso corpo à parte. Já não é ele que nos preocupa tanto, é algo maior, diferente talvez da multiplicidade e grandeza com que a vida se manifesta em tal momento - a luz, as coisas, a gente, tudo se agiganta, dando o sentido real da perda, da vida que nos foge, enquanto seguimos, inexoravelmente, o caminho do desconhecido."

Fotografia do acidente (autor) - livro Terra Crua
Este evento foi descrito também no livro "Terra Crua" por Jorge Ferreira  em 1957 e lançado em 1961.


Anúncio do escritório de advocacia de Jorge Ferreira - O Jornal de Maringá (década de 1950)

















LIvros editados do autor: Terra Crua (1961) / Isto é Voce, Maria... (1974)

Nota: 
Em 2014, o livro Terra Cruz foi reeditado em versão comentada pela EDUEM (UEM) 

Fonte: Relato ao repórter Eugênio Lyra Filho (Curitiba, 1957)
Acervo: J.C. Cecilio 




quinta-feira, 9 de julho de 2020

SANBRA: Greve vitoriosa!

Operários paralisados aguardam sua reinvindicação  salarial - unidade SANBRA de Maringá.
Na meia-noite do dia 20 de maio de 1963 (uma segunda-feira), começa a vigorar greve geral na unidade da SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro) da cidade de Maringá.
Conforme assembleia dos operários, foi aprovada por unanimidade pelos presentes.
A reinvindicação era de 70% de aumento sobre seus salários já muito defasados. A adesão paredista foi total, sem tentativas de "furões" ou piquetes. O movimento foi coeso e pacífico de ambos os lados (patrão/empregado). 

Uma comissão de empregados foi criada pelos organizadores e que seguiram para a matriz em São Paulo.  O Advogado dos operários foi Jorge Haddad, consultor jurídico de diversos sindicatos de Maringá e região.  Dezenas de caminhões carregados de algodão parados no entorno da sede, na Avenida Colombo. Motoristas e operários também "carregados" de muita ansiedade.  

Por quatro dias, seguiram-se as árduas negociações na capital paulista.

Finalmente, após o quarto dia, no fim da noite, fecharam  o acordo com a majoração de 35% sobre os salários da unidade. Foi considerada uma grande vitória por todos os funcionários, obtendo o piso salarial equivalente aos colegas do  Estado de São Paulo.


Fonte: Jornal Ultima Hora (Curitiba)  - Maio 1963
Foto sem crédito (Ultima Hora)